Maurício
– de origem paulista – era um dos filhos mais novos de uma
família pobre, com quatro crianças.
Seu pai – Alécio, era filho de colonos que vieram do interior de
São Paulo para a Capital. De uma família de doze irmãos, Alécio
passou a infância no interior paulista até que seus pais em
condições de pobreza extrema resolveram mudar-se para a Capital em
busca de melhores condições de vida. Alécio cresceu, arranjou
trabalho na metrópole – assim como seus onze irmãos – e um dia
conheceu a mulher que seria sua esposa, Marina – e que nascera num
berço de tradições portuguesas e espanholas. Também pobres, os
pais de Marina vieram em navios europeus na ilusão de melhorar a
vida no continente sul-americano.
Com Marina, Alécio teve os quatro filhos. E Maurício foi o terceiro
a nascer, numa casa com três meninos e uma menina que se chamava
Adriana, a filha caçula.
Desde cedo Alécio manifestou vontade de retornar ao interior (as
pessoas geralmente lembram com nostalgia da infância, julgando-a
mais feliz do que a vida quando são adultos, apesar das dificuldades
que os pais tiveram para criá-los. Essas dificuldades quase sempre
são ocultadas aos filhos, para não lhes causar mais sofrimento,
protegendo-os; e esse é o motivo que depois de grande os faz pensar
que a infância foi melhor).
Marina, com um suspiro dizia confiar no marido, e o que ele fizesse,
ela aceitaria. Queria mudar-se para o interior? Que seja, então.
Marina e as crianças iriam também.
Maurício – que sempre fora observador, escutava a conversa dos
pais, sem se intrometer – afinal, era ainda uma criança de cinco
anos, e nessa idade os pais não levariam sua opinião a sério. Além
de quê, em sua cabeça infantil nem tinha ele qualquer opinião
sobre isso, assuntos que ele ainda não compreendia, confiando
cegamente nas decisões dos pais, e conservou em sua memória apenas
a lembrança daquelas conversas. Alguns dos seus irmãos sim,
poderiam ter falado algo, sendo mais velhos do que ele, inclusive já
frequentavam a escola primária.
Porém nada foi falado, nada foi contestado e numa linda manhã de
Novembro, Maurício assistiu a mudança que transformaria suas vidas
para sempre: Um caminhão Mercedes-Benz daqueles antigos de focinho,
parou na porta de sua casa e carregou toda mobília, os utensílios
domésticos e a maior parte das roupas, e depois seguiu em direção
ao interior de Minas. E no dia seguinte, às seis horas da manhã,
Alécio chegou com a família na Estação Rodoviária paulista e
embarcaram todos num ônibus com destino a Acemira, uma pequenina e
desconhecida cidade de Minas Gerais, a mais de quinhentos quilômetros
dali.
Um mês antes Alécio viajara sozinho. Por indicação de amigos, foi
conhecer a região.
A viagem da família transcorreu bem, apesar das estradas de terra e
dos estragos que a chuva fazia naquele mês de Novembro, quando as
chuvas da Estação castigavam a região Sudeste do Brasil. Na região
Sudeste do Brasil não existem as quatro estações: Temos o tempo do
calor e o tempo do frio. E consequentemente, o tempo das chuvas e o
tempo das secas.
A viagem durou muitas horas, sendo necessário inclusive a troca de
veículos no meio do caminho, pois o ônibus que saía de São Paulo
não fazia a viagem diretamente até Acemira. Foi uma viagem para não
voltar mais – como dizia Alécio.
Acemira era uma cidadezinha linda, porém esquecida, com ruas
estreitas e sem pavimentação, todas em terra, ainda. A maior
construção (além da Igreja que ficava no ponto mais alto do
terreno e cuja torre dava para se ver a algumas léguas de distância)
era a Prefeitura Municipal que ocupava meia quadra. As casas eram
baixas, mas existiam seis ou oito casas com dois andares – uma
inclusive era do Prefeito. E havia uma única praça pavimentada onde
estava também a Igreja Matriz. As outras praças não passavam de
simples espaços abertos, onde ao meio existiam Cruzeiros, instalados
pelas Missões Católicas. Existiam três praças assim.
Se Acemira era pacata durante o dia, mergulhava em completa escuridão
à noite, quando as trevas tomavam conta de suas ruas sem iluminação.
Nem mesmo a tremulante luz de lampião a gás – como nos postes das
ruas de São Paulo – existiam na cidade! Sua população era
composta em grande parte por pessoas que possuíam terras ao redor da
cidade. Pequenos sítios. Muitas casas permaneciam fechadas durante a
semana, enquanto seus donos trabalhavam nas terras ao redor. Havia um
movimento maior aos Sábados e Domingos, quando vinham até a cidade
fazer compras, vender produtos da roça e assistir a Missa.
A cidade ficava encravada num espigão de terras, cuja afluência de
dois rios formaram um extenso lago em forma de “U” cercando-a e
tornando-a quase uma ilha, deixando apenas uma única comunicação
por estrada de terra….
Quantas vezes Maurício testemunhou sua mãe chorando
silenciosamente, sentada no pobre sofá da sala, enquanto cozia
remendos nas roupas da família… Saudades da Cidade Grande?
Talvez... Mas ela nunca falou.
Maurício também sentia saudades, apesar de guardar poucas
lembranças de lá.