Passaram-se
alguns meses, quando Leandro apareceu em Acemira outra vez. Mas agora
fora diretamente à casa de Alécio. Foi dar-lhe a notícia da súbita
morte do avô, que uma semana antes sofrera um infarto. Morreu
dormindo. Seu pai e seus tios iniciariam a partilha das terras e
Narciso já manifestara vontade de vender sua parte e mudar-se para
cidade, em Curuajubá. Não se mudara ainda, mas queria fazer isso
tão logo definisse o inventário da Fazenda. Mas Irene e seus irmãos
não tinham planos imediatos de se mudarem das terras. Permaneceriam
ali enquanto pudessem, apesar da crise que se apertava cada vez mais.
Afinal, eram terras de herança, que atravessava gerações.
E Leandro naquele dia fez o convite a Alécio e sua família, para
que aparecessem por lá, na Fazenda, qualquer hora que pudessem ir.
Principalmente Adriana, que fora tão amiga de Cecília, e nessa hora
estava precisando tanto de alguém para confortá-la. O avô lhe
significava muito, era a neta mais próxima do velho, por isso andava
muito triste... A visita de uma amiga lhe faria bem, além disso ela
nunca se esqueceu deles, trazendo o nome da família sempre em
lembrança.
Adriana animou-se e pediu autorização do pai, e tendo Maurício
recebido o convite também – já que estava de férias no trabalho
(era a última semana das férias) – Maurício e Adriana por fim
acompanharam Leandro na volta, voltando os três à Fazenda, mas não
na Sede, que agora estava vazia. Dessa vez, Adriana conheceria a casa
de Irene, mãe de Cecília.
A família de Cecília morava ao pé de um grande morro, a meio
caminho entre a Sede e a grande Serra, num terreno encravado entre
montanhas, que termina num capão de terras selvagens, uma mata
ciliar que acompanha a curva de um riacho. Ali naqueles cantos de
terra seu pai plantava arroz, feijão e milho. Um pouco acima da
propriedade havia o cafezal de onde a família de Cecília tirava a
maior parte do seu sustento.
Cultivado o ano todo com muito capricho e esmero, colhido e vendido
na cidade uma vez por ano, a renda desse café providenciava todo
dinheiro necessário à família. A casa era humilde, porém
bem-feita. Construída sobre uma base alta, era necessário subir
três degraus até alcançar a porta da sala. Havia uma varanda na
frente da casa, que era voltada para o Sul. À esquerda nascia o Sol
por detrás das montanhas, iluminando a casa diretamente com seus
raios somente após as oito horas, por causa da proximidade e da
altura das montanhas que se levantavam ao Leste. À direita, o
terreno seguia em suave declive até encontrar-se com a mata ciliar.
Havia benfeitorias em volta da casa: Um paiol, uma casa de
ferramentas e aos fundos um pequeno rancho fechado onde a família
também processava o leite, transformando-o em queijos e mussarelas.
Havia também um lago artificial, onde a família represava a água
desviada do riacho e criava ali alguns peixes para consumo próprio.
A casa era pequena, porém bem dividida e aconchegante. A sala se
abria à direita e esquerda para dois quartos, cujas janelas eram
voltadas ao Sul, o mesmo lado onde também se abriam a janela e a
porta da sala. Havia um corredor que ligava a sala à copa, tendo à
sua direita e esquerda as portas de mais dois quartos, sendo um deles
o de Cecília. O banheiro era dividido em duas partes, sendo o lugar
do banho em uma parte e as demais funções em outra parte. Cada uma
das partes sem ter comunicação entre si, tinham suas portas
voltadas para a copa. Ao lado esquerdo da copa, descia-se dois
degraus, chegando à cozinha que assim ficava quase ao nível do
terreno. Era uma casa confortável.
Chegaram ao entardecer, com o Sol se encobrindo por detrás das
montanhas que subiam íngremes logo após o capão de mato selvagem.
No topo dessa montanha tão alta, Leandro disse que existia os
fundamentos de uma construção antiga. Poucas pessoas haviam subido
lá, porém quem já tinha visto contava que era muito antiga, de um
tempo antes mesmo que qualquer fazendeiro tivesse passado por essas
terras. Também não era obra indígena, pois em algumas pedras
haviam desenhos de signos desconhecidos, e tudo muito diferente de
qualquer arte indígena. O que poderia ser aquilo? Ninguém sabia. As
pedras não contavam sua história, que era mantida no segredo
daqueles desenhos indecifráveis. Sabiam apenas que os fundamentos
eram feitos com pedras brutas e diferentes das encontradas na região.
E sua estrutura denunciava uma construção muito grande no passado,
com várias divisões e cômodos, das quais restaram apenas aqueles
fundamentos. Teria sido algum templo? Ou quem sabe algum tipo de
castelo ou casa real? E que povos habitaram ali, e construíram
aquilo? De onde vieram esses construtores e para onde foram? Ninguém
jamais respondeu essas perguntas, que é uma incógnita até hoje.
Maurício demonstrou curiosidade com algo tão singular.
Adriana e Maurício foram recebidos com alegria pela família de
Irene. Conversaram à mesa sobre o velho Getúlio, lembrando a
grandeza de alma daquele homem. Falaram dos planos de Narciso em se
mudar para a cidade grande, conversaram sobre a cidade de Acemira que
devagar se desenvolvia, falaram da vida de Alécio na cidade, enfim,
foi uma noite cheia de conversas onde todos participaram, até mesmo
Maurício que sempre fora muito tímido e reservado... Cecília
observava o rapaz o tempo todo, desde o outro canto da mesa, onde se
sentou ao lado de Adriana e de sua mãe, acompanhando a conversa,
porém com atenção voltada para o lado onde estava Maurício...
Dizem que o olhar busca e confessa aquilo que o coração deseja... E
Maurício percebeu que sua presença era objeto de atenção da moça,
que por várias vezes olhou em sua direção. Se Maurício percebeu,
é porque também olhava para ela!
Por fim, recolheram-se para dormir cedo. O dia seguinte seria bem
movimentado a todos. Leandro queria mostrar as terras onde moravam, a
lavoura e o lugar onde processavam o leite, transformando-o em
queijos e requeijão. Também queria descer até a Sede, onde
buscaria uns documentos do falecido avô. Queria ainda levar Maurício
ao topo da montanha, para mostrar-lhe aquelas pedras tão
misteriosas.