Capítulo 16: "Aproximação"



Passaram-se alguns meses, quando Leandro apareceu em Acemira outra vez. Mas agora fora diretamente à casa de Alécio. Foi dar-lhe a notícia da súbita morte do avô, que uma semana antes sofrera um infarto. Morreu dormindo. Seu pai e seus tios iniciariam a partilha das terras e Narciso já manifestara vontade de vender sua parte e mudar-se para cidade, em Curuajubá. Não se mudara ainda, mas queria fazer isso tão logo definisse o inventário da Fazenda. Mas Irene e seus irmãos não tinham planos imediatos de se mudarem das terras. Permaneceriam ali enquanto pudessem, apesar da crise que se apertava cada vez mais. Afinal, eram terras de herança, que atravessava gerações.
E Leandro naquele dia fez o convite a Alécio e sua família, para que aparecessem por lá, na Fazenda, qualquer hora que pudessem ir. Principalmente Adriana, que fora tão amiga de Cecília, e nessa hora estava precisando tanto de alguém para confortá-la. O avô lhe significava muito, era a neta mais próxima do velho, por isso andava muito triste... A visita de uma amiga lhe faria bem, além disso ela nunca se esqueceu deles, trazendo o nome da família sempre em lembrança.
Adriana animou-se e pediu autorização do pai, e tendo Maurício recebido o convite também – já que estava de férias no trabalho (era a última semana das férias) – Maurício e Adriana por fim acompanharam Leandro na volta, voltando os três à Fazenda, mas não na Sede, que agora estava vazia. Dessa vez, Adriana conheceria a casa de Irene, mãe de Cecília.
A família de Cecília morava ao pé de um grande morro, a meio caminho entre a Sede e a grande Serra, num terreno encravado entre montanhas, que termina num capão de terras selvagens, uma mata ciliar que acompanha a curva de um riacho. Ali naqueles cantos de terra seu pai plantava arroz, feijão e milho. Um pouco acima da propriedade havia o cafezal de onde a família de Cecília tirava a maior parte do seu sustento.
Cultivado o ano todo com muito capricho e esmero, colhido e vendido na cidade uma vez por ano, a renda desse café providenciava todo dinheiro necessário à família. A casa era humilde, porém bem-feita. Construída sobre uma base alta, era necessário subir três degraus até alcançar a porta da sala. Havia uma varanda na frente da casa, que era voltada para o Sul. À esquerda nascia o Sol por detrás das montanhas, iluminando a casa diretamente com seus raios somente após as oito horas, por causa da proximidade e da altura das montanhas que se levantavam ao Leste. À direita, o terreno seguia em suave declive até encontrar-se com a mata ciliar. Havia benfeitorias em volta da casa: Um paiol, uma casa de ferramentas e aos fundos um pequeno rancho fechado onde a família também processava o leite, transformando-o em queijos e mussarelas. Havia também um lago artificial, onde a família represava a água desviada do riacho e criava ali alguns peixes para consumo próprio. A casa era pequena, porém bem dividida e aconchegante. A sala se abria à direita e esquerda para dois quartos, cujas janelas eram voltadas ao Sul, o mesmo lado onde também se abriam a janela e a porta da sala. Havia um corredor que ligava a sala à copa, tendo à sua direita e esquerda as portas de mais dois quartos, sendo um deles o de Cecília. O banheiro era dividido em duas partes, sendo o lugar do banho em uma parte e as demais funções em outra parte. Cada uma das partes sem ter comunicação entre si, tinham suas portas voltadas para a copa. Ao lado esquerdo da copa, descia-se dois degraus, chegando à cozinha que assim ficava quase ao nível do terreno. Era uma casa confortável.
Chegaram ao entardecer, com o Sol se encobrindo por detrás das montanhas que subiam íngremes logo após o capão de mato selvagem. No topo dessa montanha tão alta, Leandro disse que existia os fundamentos de uma construção antiga. Poucas pessoas haviam subido lá, porém quem já tinha visto contava que era muito antiga, de um tempo antes mesmo que qualquer fazendeiro tivesse passado por essas terras. Também não era obra indígena, pois em algumas pedras haviam desenhos de signos desconhecidos, e tudo muito diferente de qualquer arte indígena. O que poderia ser aquilo? Ninguém sabia. As pedras não contavam sua história, que era mantida no segredo daqueles desenhos indecifráveis. Sabiam apenas que os fundamentos eram feitos com pedras brutas e diferentes das encontradas na região. E sua estrutura denunciava uma construção muito grande no passado, com várias divisões e cômodos, das quais restaram apenas aqueles fundamentos. Teria sido algum templo? Ou quem sabe algum tipo de castelo ou casa real? E que povos habitaram ali, e construíram aquilo? De onde vieram esses construtores e para onde foram? Ninguém jamais respondeu essas perguntas, que é uma incógnita até hoje. Maurício demonstrou curiosidade com algo tão singular.
Adriana e Maurício foram recebidos com alegria pela família de Irene. Conversaram à mesa sobre o velho Getúlio, lembrando a grandeza de alma daquele homem. Falaram dos planos de Narciso em se mudar para a cidade grande, conversaram sobre a cidade de Acemira que devagar se desenvolvia, falaram da vida de Alécio na cidade, enfim, foi uma noite cheia de conversas onde todos participaram, até mesmo Maurício que sempre fora muito tímido e reservado... Cecília observava o rapaz o tempo todo, desde o outro canto da mesa, onde se sentou ao lado de Adriana e de sua mãe, acompanhando a conversa, porém com atenção voltada para o lado onde estava Maurício... Dizem que o olhar busca e confessa aquilo que o coração deseja... E Maurício percebeu que sua presença era objeto de atenção da moça, que por várias vezes olhou em sua direção. Se Maurício percebeu, é porque também olhava para ela!
Por fim, recolheram-se para dormir cedo. O dia seguinte seria bem movimentado a todos. Leandro queria mostrar as terras onde moravam, a lavoura e o lugar onde processavam o leite, transformando-o em queijos e requeijão. Também queria descer até a Sede, onde buscaria uns documentos do falecido avô. Queria ainda levar Maurício ao topo da montanha, para mostrar-lhe aquelas pedras tão misteriosas.