Divino,
na hora do almoço, voltara para casa radiante: Bem cedinho quando
chegou na chácara, notou um movimento de novos hóspedes. A pensão
– que mantinha suas portas abertas o ano todo, porém recebia bem
poucos hóspedes – amanhecera naquele dia com um jovem casal de
algum lugar distante. Quando o homem desceu a escadaria da frente
dirigindo-se à cidade, Divino não se conteve – largou seus
afazeres e aproximou-se dele para o cumprimentar. Qual foi seu enorme
espanto, quando reconheceu naquela fisionomia já um pouco
envelhecida e cansada, um dos seus meio-irmãos – justamente aquele
que nascera no mesmo dia que ele – o Heitor!
É claro que Heitor não o reconhecera – e nem podia – pois
apesar de ter morado um dia na mesma cidade por tanto tempo, nunca
foi permitido a Divino que se aproximasse da família de seu pai.
Heitor tinha uma ligeira lembrança de Divino, de vê-lo andando
pelas ruas, mas nunca tiveram sequer um único contato e jamais
imaginou que aquele indivíduo era de fato, seu irmão. Divino
resolveu que era hora de falar de si mesmo e de contar que eram
irmãos de sangue, tendo como pai o mesmo homem.
Heitor
caminhou em direção a cidade, tendo ao seu lado aquele homem da
mesma idade, que falava de coisas difíceis de acreditar. Mas notou
em Divino uma grande semelhança nos traços dele e de seu falecido
pai.
Heitor
não esperava jamais por aquilo: Ele e seus irmãos, assim como sua
mãe, sempre tiveram pelo pai um grande respeito, jamais suspeitando
que o velho fosse capaz de fazer o que fez.
Revelou
Divino que na época do acontecido, sua mãe era moça solteira, uma
jovem órfã que sobrevivia lavando roupas, inclusive lavava roupas
para a família de Heitor... Contou detalhes do interior da casa e da
personalidade do velho, e inclusive da mãe de Heitor. Falou em
detalhes, de coisas que só alguém que vivera sob o mesmo telhado,
ou alguém que os conhecera tão bem – como foi o caso da mãe de
Divino – poderia revelar. Coisas que Divino cresceu ouvindo sua mãe
lhe falar. Conversando assim, chegaram por fim à porta do casebre de
Divino, que convidou seu meio-irmão para entrar. Heitor recusou,
ainda ressabiado por causa de toda aquela história. Divino
considerando bem o assunto, achou que seria melhor não expor nada
daquela situação à Anita, por enquanto. Entrou sozinho dentro de
casa e saiu, logo em seguida, trazendo nas mãos os recibos de cartas
enviadas pelo velho, quando Divino ainda morava em São Paulo e
recebia a mesada.
Foi
difícil para Heitor acreditar, porém reconheceu a letra tão bem
trabalhada do velho pai, escrita nos envelopes de cartas. Enfim, são
os fatos: Coisas sempre acontecem, algumas são reveladas, outras
permanecem ocultas. Algumas se mostram antes da morte, outras são
levadas para sempre ao túmulo. E algumas – como aquele caso –
são enfim reveladas em situações curiosas, como aquela situação
em que Divino o encontrou por puro acaso, na pensão da chácara.
Mas
fatos são fatos; e não se podem mudar.
Horas
depois Divino, é claro, contou à mulher e a Maurício (que também
almoçava em casa todos os dias), toda aquela história do encontro
com seu meio-irmão. Porém, omitiu o nome do pai, o nome de Heitor e
o lugar de onde viera aquele homem, pois Anita e sua família eram de
Jequitibá da Mata, certamente a mulher haveria de se lembrar do
rapaz e consequentemente de seu pai. Não queria Divino revelar um
segredo tão bem guardado, afinal seu pai já era morto e sua mãe
também. Quando a família de Heitor se mudara dali, aquele homem foi
embora da cidade deixando por lá a imagem de uma boa reputação.
Apesar de tudo, não desejava Divino jogar na lama o nome do homem
que um dia foi seu pai. Limitou-se portanto, a contar a história sem
revelar os nomes.
Enquanto
isso Heitor, alheio ao drama de Divino, percorria a região em busca
das casas de antigos amigos, aqueles que cresceram com ele na sua
infância e nos princípios da adolescência. E naquele mesmo dia à
tarde, Maurício, sem poder imaginar o que estava prestes a
acontecer, pela última vez caminhou em direção ao casarão da
Chácara rumo ao mesmo lugar em que estivera nos últimos quatro
dias, para terminar sua pintura. Eram cinco horas da tarde quando
Maurício se aproximou da Chácara, postando-se debaixo de uma grande
árvore. Montou seu cavalete e a tela sobre ele, abasteceu a base com
pastas de tinta e prosseguiu com seu elaborado trabalho.
E o Destino... Ah! O inevitável Destino! Decidido, continuava
empenhado-se em costurar a vida das pessoas...