Capítulo 28: "A revelação"




Divino, na hora do almoço, voltara para casa radiante: Bem cedinho quando chegou na chácara, notou um movimento de novos hóspedes. A pensão – que mantinha suas portas abertas o ano todo, porém recebia bem poucos hóspedes – amanhecera naquele dia com um jovem casal de algum lugar distante. Quando o homem desceu a escadaria da frente dirigindo-se à cidade, Divino não se conteve – largou seus afazeres e aproximou-se dele para o cumprimentar. Qual foi seu enorme espanto, quando reconheceu naquela fisionomia já um pouco envelhecida e cansada, um dos seus meio-irmãos – justamente aquele que nascera no mesmo dia que ele – o Heitor!
É claro que Heitor não o reconhecera – e nem podia – pois apesar de ter morado um dia na mesma cidade por tanto tempo, nunca foi permitido a Divino que se aproximasse da família de seu pai. Heitor tinha uma ligeira lembrança de Divino, de vê-lo andando pelas ruas, mas nunca tiveram sequer um único contato e jamais imaginou que aquele indivíduo era de fato, seu irmão. Divino resolveu que era hora de falar de si mesmo e de contar que eram irmãos de sangue, tendo como pai o mesmo homem.
Heitor caminhou em direção a cidade, tendo ao seu lado aquele homem da mesma idade, que falava de coisas difíceis de acreditar. Mas notou em Divino uma grande semelhança nos traços dele e de seu falecido pai.
Heitor não esperava jamais por aquilo: Ele e seus irmãos, assim como sua mãe, sempre tiveram pelo pai um grande respeito, jamais suspeitando que o velho fosse capaz de fazer o que fez.
Revelou Divino que na época do acontecido, sua mãe era moça solteira, uma jovem órfã que sobrevivia lavando roupas, inclusive lavava roupas para a família de Heitor... Contou detalhes do interior da casa e da personalidade do velho, e inclusive da mãe de Heitor. Falou em detalhes, de coisas que só alguém que vivera sob o mesmo telhado, ou alguém que os conhecera tão bem – como foi o caso da mãe de Divino – poderia revelar. Coisas que Divino cresceu ouvindo sua mãe lhe falar. Conversando assim, chegaram por fim à porta do casebre de Divino, que convidou seu meio-irmão para entrar. Heitor recusou, ainda ressabiado por causa de toda aquela história. Divino considerando bem o assunto, achou que seria melhor não expor nada daquela situação à Anita, por enquanto. Entrou sozinho dentro de casa e saiu, logo em seguida, trazendo nas mãos os recibos de cartas enviadas pelo velho, quando Divino ainda morava em São Paulo e recebia a mesada.
Foi difícil para Heitor acreditar, porém reconheceu a letra tão bem trabalhada do velho pai, escrita nos envelopes de cartas. Enfim, são os fatos: Coisas sempre acontecem, algumas são reveladas, outras permanecem ocultas. Algumas se mostram antes da morte, outras são levadas para sempre ao túmulo. E algumas – como aquele caso – são enfim reveladas em situações curiosas, como aquela situação em que Divino o encontrou por puro acaso, na pensão da chácara.
Mas fatos são fatos; e não se podem mudar.
Horas depois Divino, é claro, contou à mulher e a Maurício (que também almoçava em casa todos os dias), toda aquela história do encontro com seu meio-irmão. Porém, omitiu o nome do pai, o nome de Heitor e o lugar de onde viera aquele homem, pois Anita e sua família eram de Jequitibá da Mata, certamente a mulher haveria de se lembrar do rapaz e consequentemente de seu pai. Não queria Divino revelar um segredo tão bem guardado, afinal seu pai já era morto e sua mãe também. Quando a família de Heitor se mudara dali, aquele homem foi embora da cidade deixando por lá a imagem de uma boa reputação. Apesar de tudo, não desejava Divino jogar na lama o nome do homem que um dia foi seu pai. Limitou-se portanto, a contar a história sem revelar os nomes.
Enquanto isso Heitor, alheio ao drama de Divino, percorria a região em busca das casas de antigos amigos, aqueles que cresceram com ele na sua infância e nos princípios da adolescência. E naquele mesmo dia à tarde, Maurício, sem poder imaginar o que estava prestes a acontecer, pela última vez caminhou em direção ao casarão da Chácara rumo ao mesmo lugar em que estivera nos últimos quatro dias, para terminar sua pintura. Eram cinco horas da tarde quando Maurício se aproximou da Chácara, postando-se debaixo de uma grande árvore. Montou seu cavalete e a tela sobre ele, abasteceu a base com pastas de tinta e prosseguiu com seu elaborado trabalho.
E o Destino... Ah! O inevitável Destino! Decidido, continuava empenhado-se em costurar a vida das pessoas...