Maurício
procedia honestamente com Cecília, porém, não era bem isso que
Narciso, o tio da moça, esperava do “futuro sobrinho”... Aliás,
na verdade esperava do fundo do coração que qualquer deslize do
moço fosse motivo para provocar um afastamento entre Cecília e o
rapaz.
O namoro prosseguiu muito bem, até o momento que Narciso, já
ciente do namoro e pressentindo o casamento que certamente não
demoraria acontecer, resolveu interferir.
Aproximava-se um feriado de Segunda-feira, e Maurício poderia ficar
um dia a mais na casa da namorada. No Sábado à tarde Leandro foi
buscá-lo nas margens do lago, e neste dia, Adriana não acompanhou
seu irmão. No Domingo cedo Leandro se ausentou com seu pai e seu
irmão, pois saíram a cavalo, levando o gado até o pasto que
alugaram de um vizinho; porque nas terras, para que haja bom pasto,
precisa haver rotatividade do gado sobre ela.
Aquela família possuía mais gado do que suas terras podiam
suportar, então alugavam os pastos de algumas terras vizinhas. A
mudança de pasto demandava um extenuante trabalho, de reunir o gado,
abrir as porteiras, cuidar para que o gado não volte seguindo o
sentido contrário da estrada e que também não “estoure a boiada”
disparando na frente, algo comum de acontecer quando o gado começa a
estranhar a operação. No dia da mudança de pasto, o pai de Cecília
levava seus dois filhos com ele, ficando em casa apenas Cecília, com
a mãe e sua irmã mais nova.
Naquele mesmo dia, Irene precisou de algumas coisas que tinham ficado
na Sede e pediu a Maurício se podia ir até lá para buscar – o
que o rapaz concordou prontamente. Cecília, então, pediu à mãe
que a deixasse ir com ele, de companhia... Afinal, a Sede ficava bem
perto e todos conheciam o Maurício. Sua mãe – confiante no
caráter do rapaz – concordou.
Seguiram montados a cavalo, que os levaram em passos lentos. Descendo
à Sede, cruzaram o caminho com Narciso, que naquele dia esteve
também na Sede um pouco mais cedo. Foram momentos tensos, pois o
rapaz sabia da implicância do tio de Cecília. Observaram-se de
longe e ao passarem ao lado, Narciso olhou diretamente para Cecília
cumprimentando-a e ignorando completamente a presença do rapaz.
Na Sede, Cecília perguntou a Maurício qual foi seu desejo quando
jogou a moeda no poço. O jovem respondeu:
__O meu desejo foi justamente isso que me acontece agora: Estar ao
seu lado para sempre... Estar sempre contigo! E o teu desejo, minha
querida – qual foi?
__Meu desejo, amor, foi poder estar sempre ao teu lado. Então
desejamos a mesma coisa, querido, talvez por isso o poço nos
atendeu, não é verdade? – perguntou a moça.
Maurício sorriu apenas, pousando seu olhar nos olhos da amada: Sabia
que a história do poço dos desejos era apenas uma lenda, que
naquele dia Maurício resolveu contar à moça, apenas por
curiosidade. Mas como tudo estava acontecendo como realmente
desejaram, preferiu então não revelar isso a ela. Uma feliz
coincidência, isto sim!
O vento carregara muita folha seca e terra, que se acumulou nos
batentes das janelas e portas e no chão da área. A Sede agora
sempre fechada, exalava um cheiro de mofo dentro dos cômodos e
umidade no ar. Os dois acharam por bem abrir suas janelas para que o
ar circulasse e arejasse o ambiente. Precisava também varrer o chão
e Cecília resolveu espanar os móveis. Tudo isso seria muito rápido,
pois não pretendiam uma faxina completa, mas apenas uma limpeza
geral, que mantivesse o lugar em ordem. Enquanto trabalhavam,
Maurício deu corda ao Gramofone de Getúlio, que ainda permanecia na
sala.
Porém, demoraram-se mais tempo do que deviam na Sede, pois o tempo
parece voar nessas horas. Passou-se o dia, e distraídos, limpando os
objetos e quadros das paredes, remexendo nas velhas coisas de Getúlio
que ainda estavam por lá, nos álbuns antigos de fotografia e
ouvindo as óperas, o casal nem se deu conta do tempo que passava. Já
começava a entardecer quando lembraram de voltar.
Leandro, seu pai e seu irmão já tinham chegado em casa, quando o
casal retornou.
Leandro estava mudado. E Maurício percebeu.
O dia seguinte, feriado, transcorreu aparentemente normal, mas
Leandro se mantinha frio. Pouco conversou durante o dia, e geralmente
se voltava ao pai ou à mãe quando falava, nunca se dirigindo ao
rapaz. Limitou-se a preparar o cavalo e a charrete apenas, para à
tarde levar Maurício até o barranco onde estaria o barco. A volta
transcorreu tranquila, mas silenciosa. Maurício resolveu perguntar
se algo ruim tinha acontecido enquanto ele esteve ausente, na Sede, e
recebeu uma resposta seca e curta de Leandro:
__Não aconteceu nada. Problemas de família... Da minha família.
Despediram-se no barranco com um frio aperto de mãos e Maurício
entrou no barco. Notou que Leandro voltou pela estrada sem olhar uma
única vez para trás.
Algo teria acontecido, pensou Maurício. Algo de muito grave
aborrecera o cunhado... Mas o pobre coitado sequer imaginava o
tamanho do problema que havia realmente acontecido na casa de Irene,
enquanto ele e Cecília se distraíram com a faxina nos cômodos do
casarão da Sede...
No dia anterior, enquanto Maurício foi até a Sede com Cecília,
Narciso ao cruzar caminho com eles não seguiu diretamente para sua
casa, mas demorou-se por um tempo na estrada. Quarenta minutos depois
o homem voltou, e da porteira procurou ver o que acontecia na Sede.
Nada viu além dos dois cavalos amarrados à porteira. Sempre
espreitando a propriedade, desceu e subiu a estrada procurando pelos
pontos onde pudesse observar sem ser observado. Não querendo se
aproximar mais do que isso, ainda que a curiosidade lhe aguçasse os
sentidos, deu meia-volta e seguiu diretamente à casa de sua irmã
Irene, já com plano malévolo na cabeça.
Irene acabara de coar um café, quando o irmão lhe apareceu na
soleira da porta.
__Entra. “Se achegue!” Que surpresa boa você aqui nesta hora!
Toma um cafezinho que acabei de fazer... – disse-lhe Irene.
Batendo as botinas no chão, como se fosse tirar a poeira do calçado,
entrou na cozinha e de modo bem ríspido se dirigiu à irmã:
__Minha irmã – disse Narciso – nosso pai nos ensinou as boas
maneiras e a moral. Ele nunca se envergonhou de nós, e todo mundo
aqui da região sempre o respeitou, considerando nele um competente
chefe de família. Fomos criados assim, e todos nós tivemos bons
casamentos, não é verdade? E em nenhum momento se ouviu falar por
aí qualquer coisa que manchasse a moral dos filhos e das filhas do
velho Getúlio.
Leandro – que ao retornar para casa vinha na frente de seu pai e
seu irmão, e tinha acabado de chegar naquele momento, postou-se ao
lado da mãe, e ambos escutavam a história espantados. Narciso
prosseguiu:
__Sei que me tomam por pessoa rabugenta, implicante, mas você me
conhece bem, Irene. Sabe que jamais faltei com a verdade com vocês.
Cada um de nós tem um gênio, e o meu é bem difícil de lidar. Mas
nem por isso quer dizer que eu seja também um mentiroso, certo?
Narciso notando a atenção dos dois, por fim deu sua tacada final:
__Sabe, Irene, eu passei pelos dois pombinhos na estrada... De longe
ouvia as conversas e a risada do casal e posso lhes garantir que não
era nada do que podemos esperar de nossos filhos, Irene. Não me
contentei apenas com isso e após um tempo voltei à Sede seguindo os
passos deles, na suspeita de que algo poderia estar acontecendo, e...
Bom, Irene, não preciso lhe dizer o que acontecia lá na Sede. Só
lhe digo uma coisa, e presta bem atenção: Se este namoro continuar,
você em pouco tempo terá uma filha perdida, enquanto o escândalo
vai se alastrar por toda a redondeza!
Sem contar à irmã que realmente não tinha visto nada – o homem
deixou o “dito pelo não dito”, provocando em Irene e Leandro as
mais maldosas imaginações sobre o que teria acontecido de fato lá
na Sede.
Ao longe se via o pai e o irmão mais novo de Cecília que naquele
momento chegavam também. Narciso pouco conversava com o cunhado.
Sempre o considerara uma pessoa maleável, um daqueles camponeses de
alma limpa, sem opinião sobre nada, sem franqueza, uma pessoa que
apenas concordava com o que o restante da família combinava em
fazer. De fato, o pai de Cecília era uma pessoa muito simples. O
coitado não abria a boca para nada! Nunca se ouviu dizer que algum
dia aquele bom homem discutiu com alguém.
Narciso enterrou o chapéu na cabeça e montou seu cavalo. Batendo as
esporas galopou em direção à estrada, cumprimentou o cunhado e o
sobrinho mais novo com um leve aceno de cabeça e se foi, deixando
Irene e o filho Leandro em pé na porta da cozinha, atônitos e
estarrecidos com essa estória inacabada e mal contada.
E enquanto Maurício passava o resto da semana trabalhando em
Acemira, esperando ansioso o próximo final de semana sem saber o que
realmente acontecia lá na Fazenda, Cecília foi cercada das piores
investigações por parte de seus pais e de Leandro.
Cecília não suportou a angústia que toda essa pressão lhe
provocara e chorou amargamente. Como podiam pensar dela algo tão
ruim? Fora sempre uma menina educada e responsável, como podiam
agora pensar que ela envergonharia o nome da família?
Até mesmo o Vigário quando passou por lá no meio da semana para
atender um batizado, tomou conhecimento do assunto, pois Irene,
instigada pelo irmão Narciso, quis de toda maneira que Cecília
confessasse diante da presença respeitosa do sacerdote, se por acaso
naquele dia, ela e Maurício não tinham cometido “algum pecado
escondido”, expondo-a a um enorme vexame, pois o Vigário com
escrutínio investigou a menina num pesado interrogatório.
O tio, porém, não cessou de ir à casa de Irene. A cada visita que
fazia, acusava o casal de namorados de estar acabando com o nome da
família. Chegou a dizer que nada disso estaria acontecendo se a moça
tivesse aceitado o pedido de namoro de Heitor... Ele sim, vinha de
uma família de pessoas que valiam a pena, gente de posses, pessoas
que eram até parentes, pois conhecera muito bem o avô de Heitor e
sabia que eram gente em quem se podia confiar...
Diante da negativa da menina que se dizia inocente, Narciso
recomendava a Irene que tal namoro não poderia seguir adiante,
devendo terminar o quanto antes, sob o risco de um dia acontecer
aquilo que todos temiam.
A vida de Cecília transformou-se num inferno, onde suspeitaram as
coisas mais vis que se podiam imaginar e que poderiam ter acontecido
naquele Domingo, com o casal de namorados ocultos dentro da Sede.
A única sorte da moça é que, temendo um escândalo ainda maior,
Narciso evitava falar sobre essas coisas na frente de outras pessoas.
O assunto tornou-se um segredo de família (e mais o Vigário que
agora também sabia). Mas sob a aparente calma e normalidade que
demonstravam a todas as pessoas, um chão fervente de acusações e
suspeitas borbulhava debaixo dos pés de Cecília, onde sem dó nem
piedade lançaram a pobre menina.
E então, Narciso começou a destruir aquele namoro impiedosamente.