Maurício
voltou para Acemira. Explicou tudo aos seus pais, que escutaram a
história atônitos, quase sem acreditar.
Adriana
ficou indignada. Onde se vira uma coisa dessas? Conhecia seu irmão –
seu amado irmão. Jamais deveriam ter colocado a moral de Maurício
em suspeitas. Era um rapaz tímido e muito educado. Sempre foi
obediente aos pais e seguiu os valores morais que seus pais lhe
ensinaram. Não! Aquilo não estava acontecendo! A família de
Cecília estava enganada a respeito do moço. Aquilo só poderia ser
um imenso mal-entendido e que deveria ser resolvido.
“Visitarei
Cecília e vou descobrir o que realmente está acontecendo”, pensou
Adriana. Mas a oportunidade nunca surgia, pois a menina tinha medo de
atravessar o lago sozinha no barco do Josias, e depois andar naquelas
estradas sem nenhuma companhia. E Alécio já cansado e conhecendo
bem o espírito belicoso de Narciso também não acompanharia. Os
irmãos mais velhos não quiseram se meter no assunto. Na verdade,
Alécio e os irmãos de Maurício tiveram a mesma ilusão de Cecília:
“O tempo cura todas as coisas”. Atravessar o lago no batelão em
companhia das professoras também não foi possível, embora o
batelão trabalhasse todos os dias, de Domingo a Domingo, era preciso
pagar uma taxa para fazer a travessia (menos as professoras, que
faziam a travessia por conta da Prefeitura) e a menina simplesmente
não tinha o dinheiro suficiente, que pagasse a viagem...
Passaram-se
três meses e Maurício não conseguia se concentrar no serviço. Com
o desânimo estampado no rosto, o rapaz parecia uma planta que se
esquece de regar e antes de morrer de vez, perde o viço. Trabalhava
mecanicamente e vivia calado. E da Sede, não chegava nenhuma
notícia.
Aconteceria
uma festa no Arraial, num Domingo. Narciso foi até a casa de Irene
fazer-lhe o convite:
__Vocês
deveriam ir à festa. Será grandiosa. Além disso, Cecília está
muito reclusa, precisa se animar, precisa viver. Vão à festa!
Sem
dizer sim ou não, Irene pensou em mandar Leandro, Cecília e as duas
crianças mais jovens até o Arraial. Para eles, os eventos daquele
lugar pouco a pouco perderam o interesse. Já estavam envelhecendo.
Mas para os filhos, não. Precisavam viver. Seria bom para eles.
Naquele
mesmo dia, Narciso certificou-se de que Heitor também estaria na
festa.
Adriana,
que três meses antes tinha planejado visitar Cecília, finalmente
tomou coragem e emprestando dinheiro do irmão mais velho, decidiu
atravessar o lago, pondo-se a caminho em direção à casa da amiga.
Com a permissão dos pais, Domingo bem cedo entrou no batelão, que a
levou do outro lado do lago. Maurício ainda estava dormindo, sem
saber a intenção da irmã. E Adriana não sabia que aconteceria uma
festa no Arraial, naquele dia.
Subiu
todo o caminho que leva em direção à casa de Irene, passando antes
pelo Arraial.
O
destino quis assim...
Na
casa de Irene, Leandro preparou os cavalos que levariam os quatro
irmãos à festa no Arraial. Com palavras de ânimo, incentivou
Cecília a acompanhá-lo, embora a moça, demonstrando todo seu
desânimo, oferecesse resistência.
Todavia,
diante da insistência do irmão, foi também.
Chegando
lá, Narciso veio lhes receber e levá-los para dentro do grande
barracão que foi armado na praça, diante da Igreja.
Haviam
mesas alinhadas, dispostas de um jeito que as pessoas pudessem
circular à vontade. Começariam os jogos de bingo e havia uma grande
animação presente entre as pessoas. Narciso conduziu-os até sua
mesa, onde sentava também sua esposa e Heitor.
Narciso
tivera desde o princípio muita afeição por Heitor, talvez porque
nunca tivera filhos – quem sabe seja esta a explicação – mas o
fato é que Narciso realmente desejava ver Cecília e Heitor casados
um dia.
O
moço procurava ser simpático com Leandro, que diante dos últimos
acontecimentos até aceitava a ideia de ver a irmã se casando com
ele. E Heitor puxava conversa com Cecília a toda hora. Sempre
educada, a moça respondia ora com um sorriso, ora com algum
comentário, e assim prosseguiu o assunto entre eles na festa do
Arraial durante toda aquela manhã.
__Dizem
que para ter sorte no jogo, o rapaz precisa de um beijo de moça! –
brincou Heitor.
__Temos
aqui nossa donzela, Dona Cecília – respondeu o tio da moça.
Na
mesa, eram todos gente de família, e a moça não estava só, mas
acompanhada dos tios e irmãos. Uma brincadeira leve não seria mal
interpretada pela ignorância das pessoas, pensou Cecília. Mas ainda
assim, recusou-se.
__Sempre
tive muito apreço por você, Cecília e te respeito bastante.
Estamos aqui todos juntos, seus irmãos também estão. É apenas uma
brincadeira, não precisa se ofender... – retrucou Heitor, fazendo
um muxoxo, uma cara triste, já desistindo do beijo.
Adriana
sem saber da festa, aproximava-se do Arraial, quando notou o grande
movimento que acontecia por lá. Adriana ia continuar seu caminho,
mas sentia sede. Resolveu então pedir um copo d’água antes de
prosseguir adiante. Chegou-se na porta do barracão e olhando para
dentro, conseguiu de longe discernir as pessoas que se encontravam ao
redor de uma das mesas: Eram Narciso, sua esposa, Leandro, Cecília e
seus dois irmãos mais novos. Também reconheceu Heitor, que nesse
momento... recebia aquele beijo tão esperado, de Cecília!
Narciso
olhava em direção à porta. Nada podia ser tão perfeito como
aquele momento! Como as coisas se encaixaram na hora certa! Pois vira
surgir na entrada do barracão aquela “moça de fora”, uma menina
pouco mais nova que Maurício – aquela menina, filha do Alécio!
Cutucou o braço de Leandro, apontando-a. Como era mesmo o nome
daquela menina?
Ah,
sim! Adriana.
Adriana
percebeu que também foi reconhecida. Encabulada por presenciar tal
cena, Adriana que esperava ouvir de Cecília (quando a encontrasse na
casa dela) qualquer coisa, qualquer desculpa, jamais imaginou que
poderia ser testemunha do que acabou de ver. Deu meia-volta e começou
seu caminho para Acemira, voltando em direção ao batelão...
Leandro
passou entre as pessoas, as cadeiras e as mesas, e da entrada do
barracão procurava distinguir a presença de Adriana no meio da
multidão. Mas não poderia jamais encontrá-la, pois a moça se
ocultara por trás de um coqueiro, onde deixou que as lágrimas
corressem pelo seu rosto.
Acabada
a festa, voltaram contentes. Heitor despediu-se de de todos que
estavam com ele à mesa, e foi embora. Leandro seguiu com Cecília e
seus outros irmãos para casa também. Chegando lá, contou a Cecília
o que tinha visto:
__Cecília,
você não imagina o que eu vi na hora da festa...
__O
quê? – perguntou Cecília.
__A
filha de Alécio. Apareceu na porta da barraca por breves instantes.
Mas apareceu bem na hora daquele beijo...
__Não
é verdade! – Cecília não quis admitir.
Leandro,
então confirmou:
__Sim,
é verdade. Tio Narciso viu primeiro e me cutucou, apontando a
menina. Eu olhei para a porta e vi que Adriana estava nos observando.
E aí ela percebeu que eu a tinha visto, e foi embora. Ainda saí lá
fora para procurá-la, mas no meio de tanta gente não foi
possível...
Se
Maurício já vivia um Inferno em vida, começou naquele momento o
Inferno de Cecília também.
Embora
pedisse um tempo ao moço, e soubesse o quão difícil era a situação
entre ela, seus pais e o restante da família, todavia ela conservava
em si alguma esperança (ainda que pequena) de que as coisas ainda se
resolveriam e um dia reatariam o namoro; afinal, Cecília acreditava
em Destino, e desde aquele dia em frente ao cactus, quando pediu uma
redação ao menino – um rapazote tão tímido – sentiu Cecília
bem no íntimo do coração que aquele seria o seu futuro marido. Era
o “moço de fora” de quem ela tanto falou à tia Amélia...
Mas
agora tudo estava perdido: Adriana viu a cena que aconteceu no
barracão da festa, e logo em seguida foi embora sem esperar por
explicações. Cecília imaginou o que haveria de ser contado por
Adriana a Maurício. Aliás, se é que ele mesmo não estava por ali
junto a irmã, e viu a cena também! O que fazer agora?
Durante
a semana Heitor apareceu na casa de Irene. Foi pedir outra vez a mão
da moça em namoro. Ela se recusou. Seu coração pertencia à outra
pessoa. Mas o moço acreditava que agora era sua chance, afinal, tudo
conspirava para que as coisas acontecessem como ele queria.
Não.
Heitor não desistiria tão fácil.
O
tempo seguia lentamente. Em casa, Adriana permanecia calada. O
semblante era triste e vez por outra, observava seu irmão, que se
preparava para ir trabalhar.
Maurício
emagrecera bastante nos últimos meses. Chegou realmente a ficar
doente, uma semana de febre alta. Agora se recuperava devagarzinho.
Mas mudou bastante.
Sempre
fora um rapaz quieto, desde criança. Mas desde que começou o namoro
com Cecília, o rapaz acordou para a vida. Sorridente, amável com
todos, carregava a alegria estampada no rosto. Quando as coisas deram
errado, ele se fechou para as pessoas, tornou-se taciturno, sisudo.
Maurício carregava perguntas em seu coração:
De
sua cabeça não saía a imagem de Heitor naquele dia de Sábado,
quando pela última vez Maurício viera de Acemira para namorar
Cecília. Vira-o saindo da casa de Cecília. O que foi fazer lá?
Logo depois, notou a diferença das pessoas em relação a ele. Então
Cecília contou-lhe sobre a intriga de Narciso e pediu um tempo...
Esse
tempo nunca mais terminara, pois o rapaz temia atravessar o lago, e
ouvir um “não definitivo” de sua amada. Também Cecília nunca
mais resolveu a situação com os pais – deduziu Maurício –
porque nem Leandro apareceu em Acemira para convidá-lo a ir na
Fazenda outra vez... Até que Adriana resolveu tomar suas dores e
atravessou o lago em busca de notícias. Mas que notícias ela
trouxe? Voltou calada e sempre fugia do assunto... Maurício percebeu
um clima triste em volta de Adriana. Acabou de calçar as botas e se
foi trabalhar.
Adriana
enxugou uma lágrima no canto dos olhos.
“Maurício
não merecia isto”, pensou Adriana.
À
tarde, Maurício resolveu quebrar o silêncio. Reunindo coragem, fez
a pergunta que tanto o atormentava:
__Então,
minha irmã. Como foi sua visita à Cecília? – perguntou Maurício,
já temendo a resposta.
Adriana
respondeu, tentando adiar o máximo possível a amarga notícia:
__Não
fui até a casa dela, Maurício. Houve uma festa no Arraial e vi
muita gente por lá.
__Cecília
também estava? – perguntou o moço.
__Sim,
Cecília também estava lá – revelou Adriana.
__E
então, como foi? O que vocês conversaram? – perguntou Maurício
já aflito, percebendo que a irmã relutava em dar as respostas.
Então
finalmente Adriana contou:
__Meu
irmão, seja forte. Leandro e todos seus irmãos estavam na festa.
Todos muito alegres, jogando bingo... Cecília estava lá, Heitor
também estava. E os dois estavam juntos... Infelizmente, foi isto
que eu vi. Então dei meia-volta e vim para casa.
A
escuridão da angústia finalmente tomou conta do coração já
corroído de Maurício, que logo respondeu à irmã:
__O
que sinto agora, Adriana, é pior que a morte. Porque quando a morte
chega, ela nos leva – ou então leva alguém que nós amamos. Nesse
momento, quem vai embora para sempre sabe que tudo terminou naquela
hora. E quem ficou, sabe que apesar de tão dura realidade, deve dar
um passo adiante e prosseguir, pois uma nova fase virá. Um capítulo
se encerra quando chega a morte e uma página da vida é virada. É o
fim de um ciclo para quem morre – e o começo de outro, para quem
fica. Porém no meu caso, é diferente: Vivemos os dois, próximos,
quase um ao lado do outro. Mas apesar de tão próximos, não poderei
estar junto a ela. Continuarei amando, mas apesar de amar, não serei
correspondido. A partir de agora viverei amando, mas sem poder amar!
E ainda verei o amor de minha vida entregando seu coração à outra
pessoa. Para mim, querida irmã, não haverá ciclos que se fecham,
nem páginas viradas. É uma situação muito dolorosa e difícil de
suportar. Teria eu morrido mil vezes, e teria sido ainda melhor do
que estar vivo agora, para ver e ouvir tudo isso. Não sei o que será
daqui em diante, pois para mim, a vida não tem mais sentido.
Então Adriana poupou o irmão de saber o detalhe do beijo e não
contou sobre isto, pois Maurício acabava de perder o chão sob seus
pés.