Estava
claro o dia, e Maurício levantou cedo; após o café, vestiu-se
adequadamente e pôs-se a caminho. O barco o levou através do
espelho d'água rumo ao barranco do outro lado onde se inicia a
estradinha. A profundidade máxima desse lago é de dez a doze metros
no ponto mais profundo que é na curva do “U”, onde se juntaram
as águas dos dois rios. E uma distância de mil e quatrocentos
metros separam as duas margens entre Acemira e as terras de Getúlio.
Maurício levava a tiracolo seu embornal com algumas guloseimas
compradas ali mesmo na padaria da cidade. Sua mãe gostava dessas
coisas, sentia saudades das padarias da Capital onde a tradição
portuguesa ditava as receitas dos pães e doces….
Por volta das nove e meia se aproximou da porteira da Sede. De longe
avistou uma figura: Plantada em pé, lá estava Cecília. Vestida em
roupas de seda, dava impressão que se preparou para ir a uma festa.
A menina irradiava beleza, com sua pele alva e macia em contraste com
o tecido escuro, que se agitava ao menor sopro da brisa. As mãos
nervosas alisavam o cabelo dourado e afastava suas mechas do rosto,
aqueles fios de ouro que o vento insistia em revirar. Maurício de
imediato não compreendeu o motivo de encontrá-la tão cedo ali à
beira da estrada, mas à medida que se aproximava se lembrou da
redação. Sequer imaginava que o motivo de Cecília estar ali
naquele momento, fosse justamente a redação.
“Todavia” – pensou – “pode ser que de repente ao
cumprimentá-la, eu venha receber a cobrança de Cecília, a respeito
da redação – mesmo que a cobrança seja apenas para sustentar um
assunto qualquer”.
Cecília notou o rapaz que se aproximava. De olhar atento,
acompanhava cada passo do moço, deixando transparecer uma leve
impaciência, como se há muito tempo esperasse por ele; até que,
por fim, se encontraram.
__Olá, Maurício. Como vai?
__Olá, Cecília. Vou bem. E você?
__Aqui está tudo bem. A calma de sempre, né? Mas está tudo bem. Só
Tia Amélia, que está um pouco adoentada, meio desanimada. Parece
uma constipação, mas não há de ser nada.
__Ah, sim! Não há de ser nada, Cecília. Talvez a mudança do
tempo, que não firma nem calor e nem frio. Isso mexe com a saúde
das pessoas. Espero que lá em casa mamãe, papai e meus irmãos
estejam bem. Daqui a pouco estarei lá com eles.
Então Cecília foi logo ao assunto, demonstrando vivo interesse no
olhar:
__Maurício, você lembrou da minha redação?
Naquele momento Maurício gelou por dentro: Sim, teria lembrado, mas
não acreditava que realmente ela se importasse com isso. Resolveu
ser sincero com a moça:
__Sim, lembrei. Mas achei que você nem se lembraria disso. Afinal,
as redações que eu fazia na Escola eram textos comuns, coisas sem
importância, e muitas vezes nem mesmo eu as compreendiam….
Fazendo um gracioso muxoxo, demonstrando um ar triste no olhar,
Cecília respondeu:
__Eu já sabia que você não se importaria de escrever…. Falei
para tua irmã: Agora você está na cidade, como há de se lembrar
daqui?
__Oras, me lembro sempre daqui. Por acaso não estou vindo aqui
visitar meus pais?
__Sim, deles você se lembra, mas não se importou em escrever a
redação para mim….
Nesse momento, Maurício não estava mais rubro de vergonha, já
tinha ficado roxo e agora o sangue lhe fugia das faces, deixando-o
pálido. O que foi, é claro, notado por Cecília que se divertia
muito com a situação encabulada do moço.
__Desculpa-me. Juro que escrevo. Se der tempo, escrevo-a hoje ainda e
entrego nas mãos de Adriana. Senão, trago-a da próxima vez que eu
vier. Mas agora, deixa eu seguir, quero estar com meus pais antes do
almoço. Eles me esperam. Estimo melhoras à sua tia Amélia. Até
mais!
Assim seguiu Maurício até a casa dos pais, remoendo no caminho a
conversa que tivera com Cecília e repreendendo sua própria timidez,
imaginando se porventura não tinha dito algo bobo ou idiota para a
menina. Seguiu em passos ligeiros, fugindo da situação….
E ficou Cecília ao lado do cactus, observando Maurício diminuir na
distância, até sumir na curva da estrada. E a menina sorria, com as
faces coradas quando tomou o caminho em direção à Sede. Mas não
deixou de se preocupar com a saúde de Amélia….
O rapaz foi recebido com festa e muita alegria pelos pais e irmãos
que o esperavam ansiosos.
Recebia abraços e beijos de toda a família, naquela alegria natural
da chegada de um filho. A mesa já estava posta, as panelas aquecendo
ao lado do fogão a lenha, e só faltava ele chegar para que todos
almoçassem. O pai tinha matado o porco sim, para o almoço de
Domingo…
Após o almoço, seu pai veio lhe falar:
__Sabe Maurício, talvez a gente precise ir embora desse lugar….
Tenho bastante apreço por Getúlio, que foi muito humano e arranjou
esse teto onde a gente mora e serviço nas lavouras. Mas você sabe,
o Narciso não gosta de nós. Não sei se esta mudança vai acontecer
ainda neste ano, mas queria que você soubesse que nossa morada
permanente não será sempre aqui. Quem sabe um dia estaremos todos
juntos, reunidos num almoço de Domingo, mas não aqui – lá em
Acemira talvez, se teu pai conseguir emprego por lá.
Maurício ouviu calado e atento, mas sentiu uma tristeza pairar o
coração, sem ainda saber explicar o motivo. Afinal, não queria ele
por toda força e lei, sair daquela roça e voltar para a cidade? Não
queria tanto, que, por fim, deixou seus pais e irmãos ali e foi se
aventurar em Acemira? Então porque agora, ao receber tal notícia
que seu pai lhe dava, uma ponta de tristeza surgiu no coração,
desejando que isso não mais acontecesse?
Mas nada falou sobre isso, apenas escutou. A decisão do pai sempre
foi respeitada, quando se tratava dos destinos da família. E mesmo
sendo Curuajubá mais desenvolvida e, com certeza, com mais
possibilidades de emprego, o velho Alécio ainda preferia Acemira….
Nesse momento, Adriana se aproximou e chamou Maurício. Seguiram os
dois pelo caminho que vai da casinha até o Ipê plantado à entrada
da porteira.
__Maurício, eu sempre vou lá na Sede. Fiz amizade com Cecília e
outro dia ela me cobrou a sua redação…. Por acaso você se
lembrou de escrevê-la?
__Sim, me lembrei. Mas não escrevi. Não quis fazer papel de
criança, trazendo um papel rabiscado para você entregar à neta do
patrão. Mas ela me viu quando passava diante da porteira da Sede, e
me cobrou. Se soubesse que ela realmente queria, eu teria escrito.
__Teria escrito mas não teria entregado, não é? Conheço-te muito
bem Maurício, e você precisa mudar. Deixa de ser tímido e se abre
mais com as pessoas. E agora? Você vai escrever?
__Sim, Adriana. Vou escrever, mas entrego da outra vez que vier aqui.
__Sim, faça isso. E não seja bobo. Papai quer sair daqui por causa
do Narciso, mas eu não quero de jeito nenhum. Eu gosto daqui. E
Getúlio gosta da gente e agora também sou amiga da Cecília. Se eu
fosse você, cada vez que aparecesse por aqui, dava também uma
passadinha lá na Sede. Ao menos para cumprimentar o Getúlio. Papai
lhe empresta o cavalo, se você quiser, e antes dele te levar até o
barco, você poderia passar lá na Sede e fazer uma visita. Seja mais
aberto com as pessoas, irmão. Ao menos com aqueles que lhe estendem
as mãos...
__Sim, Adriana. Vou mudar meu jeito, prometo. Mas não hoje. Cheguei
um pouco tarde, pois me detive uns momentos lá na estrada e circulei
as ruas do Arraial também. Mas da próxima vez eu passarei por lá
para ver o velho Getúlio e se possível entregar a redação à
menina. Da próxima vez que eu vier, farei isso não quando estiver
voltando para Acemira, mas quando estiver chegando aqui. Demorarei um
pouco lá, antes de chegar na casa do papai.
Naquele dia à tarde, Alécio levou o filho na garupa do cavalo até
o barranco, onde se atracava o barco. Ao passar diante da porteira,
Maurício virou-se para o lado da Sede e com olhar atento procurou
reconhecer as pessoas que se avistava desde o alto da estrada.
O movimento era intenso e deu para distinguir os filhos de Getúlio
que começavam a guardar os carros de bois debaixo das árvores.
Havia alguns homens no terreirão revirando a colheita da lavoura
estendida ali, onde ficava por vários dias até que o Sol a secasse.
Mulheres subiam do moinho trazendo fardos de fubá sobre a cabeça. E
debruçada numa das janelas da frente, numa visão quase já
encoberta pelo telhado da varanda, julgou Maurício ter visto a
cabeleira loura de Cecília observando a estrada...