Capítulo 21: "E o fim"




Chegara outra vez o Sábado. Hora de visitar Cecília. Sem imaginar que todo o problema ocorrido durante a semana envolvia a ele diretamente, o moço para fazer surpresa à namorada, comprara um par de alianças. Era de ouro verdadeiro, porém muito finas, adquiridas conforme as suas possibilidades financeiras. Mandou gravar as duas iniciais bem juntinhas: “M e C”, nas duas alianças. Fez a compra a prazo, cujas parcelas seriam pagas em oito vezes com sacrifício por causa do baixo salário que recebia. Mas com muito gosto pagaria as mensalidades, porque ali resumia parte do seu desejo: A intenção do moço era oficializar o noivado. Guardou-as no bolso, aguardando com ansiedade a hora de atravessar o lago.
Porém à tarde ao entrar no barco, Maurício notou que não havia ninguém o esperando do outro lado.
Ao chegar na outra margem, subiu a estrada na esperança que Leandro se atrasara por qualquer motivo, e que breve se encontrariam no caminho.
Mas não foi assim. A estrada estava deserta e Maurício prosseguiu a pé, até que passou diante da porteira da Sede. Tudo estava fechado. Prosseguiu em frente até dobrar a estrada, onde se vai em direção à casa de Irene. Cecília certamente o esperava. Chegou à noitinha diante da porteira, quando a porta da sala se abriu e nesse momento Heitor saiu lá de dentro. Subiu em seu cavalo e seguiu em direção à porteira. Maurício se ocultou atrás de uma árvore. Já era penumbra, os últimos raios de Sol eram de luminosidade pálida, naquele lugar de montanhas altas onde o Sol se esconde mais cedo. Heitor seguiu seu caminho, e Maurício saindo de seu esconderijo, chegou até a casa.
Cecília viera lhe receber na porta, mas notava-se em seu rosto um ar muito aflito, uma angústia sem tamanho. Algo pesado reinava no ar.
O que acontecera com Leandro? – quis saber o rapaz. Cecília explicou: Leandro estivera fora o dia todo e se encontrava agora cansado. Recusou-se a ir até o barranco, por achar que Maurício não viria naquele dia...
Maurício não quis perguntar nada sobre Heitor, para não dar impressão de que estava com ciúmes ou que estava desconfiando da moça. Cecília com certeza sabia que os dois moços em algum ponto da estrada teriam se encontrado, mas também nada falou.
Irene não viera até a sala, como de costume, receber o rapaz; mas limitara-se a ficar na cozinha, onde em conversas de tom baixo, discutia algum assunto com o marido.
Cecília e Maurício sentaram-se no sofá e o rapaz segurou a mão da moça, que descansou sua mão nas mãos dele – não como das outras vezes, onde com respeito se acariciavam no amor de namorados – mas deixou-a simplesmente cair inerte sobre as mãos de Maurício, que notou um olhar completamente ausente de Cecília.
Mesmo com as insistentes perguntas do rapaz e seu ar cada vez mais preocupado, Cecília em momento algum quis se abrir e contar ao rapaz o que estava acontecendo. Assim se passaram as horas angustiosas daquela noite, calados um ao lado do outro. A moça às vezes repousava a cabeça no ombro do rapaz, demonstrando carinho, o qual o rapaz interpretava como um mudo pedido de auxílio, mas a moça estava irredutível e nada contou ao rapaz naquela noite.
O jantar foi bem triste: Irene sorriu – um leve sorriso amarelo, um sorriso de quem não achou outra coisa para dizer. Todos se sentaram e prosseguiu o jantar no silêncio. Leandro não compareceu ao jantar. Após o jantar, o pai de Cecília solicitou que todos se recolhessem mais cedo, pois no dia seguinte – apesar de ser Domingo – haveriam de sair ao pasto, ele e Leandro, em busca de um gado que se perdera para os lados do grotão. A luz dos cômodos acesas, que invadiam seu quarto pelas frestas da tosca porta incomodavam seu sono, portanto deveriam cada um dirigir-se aos seus aposentos para dormir. Não houve namoro depois do jantar.
No dia seguinte, levantaram-se todos muito cedo. Maurício que não conseguiu dormir, levantou-se também, tão somente ouviu barulhos na cozinha. Resolvera colocar tudo a limpo e saber de uma vez por todas o que estava acontecendo: porque aquela mudança tão brusca?
Cecília estava à mesa, tomando café com sua mãe enquanto seu pai e Leandro já estavam preparando os cavalos no terreiro.
__Bom dia! Está tudo bem? – perguntou logo o rapaz.
__Bom dia – respondeu Irene – não, nem tudo está bem.
Cecília acudiu:
__Depois a gente conversa, Maurício. Tome seu café e coma essas broas que estão uma delícia. Tudo se resolve, a gente conversa depois.
Por mais gostosas que fossem aquelas broas, desceram na garganta de Maurício como se fossem pedras. A ansiedade do moço foi tão grande que não conseguiu sentir o sabor do alimento.
Se dirigiram à sala depois do café. Irene ficou na cozinha, deixando que o casal resolvesse o problema.
Cecília começou:
__Maurício, sabe aquele dia que fomos à Sede buscar umas coisas para minha mãe?
Diante da afirmativa do moço, a menina prosseguiu:
__Pois é. Antes eu tivesse ficado em casa te esperando... Tio Narciso passou por nós e não gostou nem um pouco de nos ver lado a lado na estrada a sós. Não contente com isso, ainda voltou pelo caminho até a Sede, desconfiado da gente. Resolvera depois chegar até em casa e contar uma porção de mentiras sobre nós, que minha mãe e Leandro ouviram espantados.
O moço ouvia num crescente de espanto, com uma palidez que aos poucos lhe tomava conta do rosto.
__Mas seus pais... o Leandro... Eles acreditaram? – perguntou já perturbado, Maurício.
Cecília então respondeu:
__Não importa se acreditaram ou não. Ficamos muito tempo dentro da Sede naquele dia e não somos nenhuma criança... Ainda que nada tenha acontecido, qualquer pessoa teria razão em pensar alguma coisa de nós, diante dessa situação. Tio Narciso conseguiu colocar na cabeça deles que a gente vai jogar o nome da família na lama. Nem papai nem minha mãe querem agora a continuação do nosso namoro. – Cecília respondera friamente, sem coragem de olhar no rosto do rapaz.
Era muito difícil para ela, e a moça sabia o tormento ao qual estava jogando o rapaz, pois sempre notara o quanto ele a amava. Mas na tradição antiga da família, nunca houvera nada que envergonhasse o nome do avô, ou deixasse histórias ruins para serem contadas depois no meio do povo... Ela passou momentos terríveis de acusação e investigação. Foi uma pressão insuportável. Estava disposta a sacrificar-se agora, porque percebera que jamais teriam paz e jamais teriam o consentimento dos pais de agora em diante. Narciso conseguira jogar a família contra o namoro e Cecília conhecia bem seus pais. Era necessário ser firme agora, para que as coisas não ficassem ainda piores depois.
Sabia que seu tio desejava a união dela com Heitor, embora ela não se interessasse pelo rapaz. Percebia que a visita do rapaz pouco antes de Maurício chegar fora apenas uma desculpa: A família do moço possuía terras boas de pasto e resolveram oferecê-las ao seu pai. Mas a conversa poderia ser em qualquer dia da semana, e não exatamente no Sábado, e justamente na hora que Maurício estava chegando...
Cecília deveria resolver tudo aquilo, e de uma vez por todas.
__Maurício – disse ela um pouco hesitante e sem esperanças – eu preciso convencer meus pais de que está tudo bem, se quisermos prosseguir esse namoro. Mas não quero piorar a situação acrescentando tensão a esse clima que está no ar. Nem adianta você querer nos defender, dizendo alguma coisa a eles, porque se há alguém que pode provar nossa inocência, essa pessoa deve ser eu. No momento eu preferia que você se afastasse um pouco, e que você me desse um tempo. Estou confusa, e nesse tempo, vou resolver o que eu faço da vida, e resolvo nossa situação com meus pais. Esteja preparado para qualquer desfecho!
Maurício nunca pensou em forçar alguma situação, e viu que aquelas palavras da menina foram ditas depois de muita reflexão. Percebendo que aquele casamento estava se desmoronando antes mesmo de acontecer, quis apenas uma única certeza. Se a resposta fosse afirmativa, então talvez ali estivesse sua última esperança:
__Mas você me ama? – perguntou Maurício quase sem voz.
Cecília ficou calada. Precisava ser firme com o moço e não acalentar esperanças que talvez não se concretizassem.
Na sua inexperiência de menina, achava que o tempo curaria todas as coisas, se por acaso o namoro entre eles terminasse ali e não viessem a se ver nunca mais. Se jamais voltassem a namorar, o tempo curaria todas as feridas.
__Me ama, Cecília? Por favor, responda! – perguntou chorando o rapaz.
__Sim – respondeu finalmente Cecília – mas ainda que o ame, é preciso esse tempo.
Maurício sentiu um grande desânimo na voz da menina. Não quis esperar Leandro retornar do pasto e levá-lo até a margem do lago.
Segurou as mãos da moça e beijou-as ternamente. “Te amo, te amo!” lhe disse, umedecendo-lhe as mãos com as lágrimas.
Não houve mais nenhuma resposta da moça. Apenas um olhar e um sorriso triste, muito triste.
Então ele abriu a porta da sala, e se foi.
Há três modos de descer ao Inferno; São métodos rápidos e sem pegar nenhum atalho:
a) O primeiro, é amaldiçoando os Céus, com todos os seus habitantes;
b) O segundo, é não estendendo as mãos ao teu irmão necessitado, quando ele mais precisou de você;
c) O terceiro, é perdendo o amor da sua vida, é perdendo aquela pessoa que habita teus sonhos, depois de tê-la ao menos uma vez em seus braços.
Pelos dois primeiros modos, você chega ao Inferno depois que morre. Mas pelo terceiro, caro amigo, você já está no hall da entrada enquanto ainda vive!
Há quem diz que o Tempo cura todas as coisas. É uma grande mentira, e só tem validade para quem jamais amou de verdade. Todas as coisas podem ser esquecidas, todas as coisas podem deixar de ser desejáveis, todas as coisas podem ser substituídas. Mas o Amor não. O Amor de verdade, jamais.
Pode-se jogar a “terra do tempo” sobre o buraco onde vai se atirar uma ilusão destruída, uma esperança despedaçada, um sonho de amor não realizado. Ali tudo adormece e permanece. Mas jamais o infeliz prosseguirá adiante na vida como fazia antes, pois ao tentar jogar tudo isso no buraco do esquecimento, ele enterra junto, no mesmo buraco, todo o seu entusiasmo pela vida. E tudo mais que acontecer dali em diante, sejam vitórias, sejam conquistas, tudo terá para ele um sabor de nada. E nada o deixará plenamente satisfeito, nada mais será completo. Sua vida se transformará numa simples vida vazia.
Ao abrir o coração para o amor, planta-se nesta terra dentro do peito um broto de cactus que vai crescer. Ele tem vida própria e não segue a lógica nem a racionalidade. Independente do que o apaixonado pensa sobre o que é melhor para si, o coração escolherá sozinho aquilo que ele acha que deve sentir.
Maurício percebeu naquele momento que um dolorido espinho o acompanharia pelo resto de sua vida.


Quando tudo dá errado nos assuntos do Amor, às vezes a esperança também morre...
Mas o Amor – assim como o cactus na terra árida – permanece. O Amor não morre.
E a partir desse momento, o infeliz não vive mais;
Ele apenas sobrevive.