Chegara
outra vez o Sábado. Hora de visitar Cecília. Sem imaginar que todo
o problema ocorrido durante a semana envolvia a ele diretamente, o
moço para fazer surpresa à namorada, comprara um par de alianças.
Era de ouro verdadeiro, porém muito finas, adquiridas conforme as
suas possibilidades financeiras. Mandou gravar as duas iniciais bem
juntinhas: “M e C”, nas duas alianças. Fez a compra a prazo,
cujas parcelas seriam pagas em oito vezes com sacrifício por causa
do baixo salário que recebia. Mas com muito gosto pagaria as
mensalidades, porque ali resumia parte do seu desejo: A intenção do
moço era oficializar o noivado. Guardou-as no bolso, aguardando com
ansiedade a hora de atravessar o lago.
Porém
à tarde ao entrar no barco, Maurício notou que não havia ninguém
o esperando do outro lado.
Ao
chegar na outra margem, subiu a estrada na esperança que Leandro se
atrasara por qualquer motivo, e que breve se encontrariam no caminho.
Mas não foi assim. A estrada estava deserta e Maurício prosseguiu a
pé, até que passou diante da porteira da Sede. Tudo estava fechado.
Prosseguiu em frente até dobrar a estrada, onde se vai em direção
à casa de Irene. Cecília certamente o esperava. Chegou à noitinha
diante da porteira, quando a porta da sala se abriu e nesse momento
Heitor saiu lá de dentro. Subiu em seu cavalo e seguiu em direção
à porteira. Maurício se ocultou atrás de uma árvore. Já era
penumbra, os últimos raios de Sol eram de luminosidade pálida,
naquele lugar de montanhas altas onde o Sol se esconde mais cedo.
Heitor seguiu seu caminho, e Maurício saindo de seu esconderijo,
chegou até a casa.
Cecília
viera lhe receber na porta, mas notava-se em seu rosto um ar muito
aflito, uma angústia sem tamanho. Algo pesado reinava no ar.
O
que acontecera com Leandro? – quis saber o rapaz. Cecília
explicou: Leandro estivera fora o dia todo e se encontrava agora
cansado. Recusou-se a ir até o barranco, por achar que Maurício não
viria naquele dia...
Maurício
não quis perguntar nada sobre Heitor, para não dar impressão de
que estava com ciúmes ou que estava desconfiando da moça. Cecília
com certeza sabia que os dois moços em algum ponto da estrada teriam
se encontrado, mas também nada falou.
Irene
não viera até a sala, como de costume, receber o rapaz; mas
limitara-se a ficar na cozinha, onde em conversas de tom baixo,
discutia algum assunto com o marido.
Cecília
e Maurício sentaram-se no sofá e o rapaz segurou a mão da moça,
que descansou sua mão nas mãos dele – não como das outras vezes,
onde com respeito se acariciavam no amor de namorados – mas
deixou-a simplesmente cair inerte sobre as mãos de Maurício, que
notou um olhar completamente ausente de Cecília.
Mesmo
com as insistentes perguntas do rapaz e seu ar cada vez mais
preocupado, Cecília em momento algum quis se abrir e contar ao rapaz
o que estava acontecendo. Assim se passaram as horas angustiosas
daquela noite, calados um ao lado do outro. A moça às vezes
repousava a cabeça no ombro do rapaz, demonstrando carinho, o qual o
rapaz interpretava como um mudo pedido de auxílio, mas a moça
estava irredutível e nada contou ao rapaz naquela noite.
O
jantar foi bem triste: Irene sorriu – um leve sorriso amarelo, um
sorriso de quem não achou outra coisa para dizer. Todos se sentaram
e prosseguiu o jantar no silêncio. Leandro não compareceu ao
jantar. Após o jantar, o pai de Cecília solicitou que todos se
recolhessem mais cedo, pois no dia seguinte – apesar de ser Domingo
– haveriam de sair ao pasto, ele e Leandro, em busca de um gado que
se perdera para os lados do grotão. A luz dos cômodos acesas, que
invadiam seu quarto pelas frestas da tosca porta incomodavam seu
sono, portanto deveriam cada um dirigir-se aos seus aposentos para
dormir. Não houve namoro depois do jantar.
No
dia seguinte, levantaram-se todos muito cedo. Maurício que não
conseguiu dormir, levantou-se também, tão somente ouviu barulhos na
cozinha. Resolvera colocar tudo a limpo e saber de uma vez por todas
o que estava acontecendo: porque aquela mudança tão brusca?
Cecília
estava à mesa, tomando café com sua mãe enquanto seu pai e Leandro
já estavam preparando os cavalos no terreiro.
__Bom
dia! Está tudo bem? – perguntou logo o rapaz.
__Bom
dia – respondeu Irene – não, nem tudo está bem.
Cecília
acudiu:
__Depois
a gente conversa, Maurício. Tome seu café e coma essas broas que
estão uma delícia. Tudo se resolve, a gente conversa depois.
Por
mais gostosas que fossem aquelas broas, desceram na garganta de
Maurício como se fossem pedras. A ansiedade do moço foi tão grande
que não conseguiu sentir o sabor do alimento.
Se
dirigiram à sala depois do café. Irene ficou na cozinha, deixando
que o casal resolvesse o problema.
Cecília
começou:
__Maurício,
sabe aquele dia que fomos à Sede buscar umas coisas para minha mãe?
Diante
da afirmativa do moço, a menina prosseguiu:
__Pois
é. Antes eu tivesse ficado em casa te esperando... Tio Narciso
passou por nós e não gostou nem um pouco de nos ver lado a lado na
estrada a sós. Não contente com isso, ainda voltou pelo caminho até
a Sede, desconfiado da gente. Resolvera depois chegar até em casa e
contar uma porção de mentiras sobre nós, que minha mãe e Leandro
ouviram espantados.
O
moço ouvia num crescente de espanto, com uma palidez que aos poucos
lhe tomava conta do rosto.
__Mas
seus pais... o Leandro... Eles acreditaram? – perguntou já
perturbado, Maurício.
Cecília
então respondeu:
__Não
importa se acreditaram ou não. Ficamos muito tempo dentro da Sede
naquele dia e não somos nenhuma criança... Ainda que nada tenha
acontecido, qualquer pessoa teria razão em pensar alguma coisa de
nós, diante dessa situação. Tio Narciso conseguiu colocar na
cabeça deles que a gente vai jogar o nome da família na lama. Nem
papai nem minha mãe querem agora a continuação do nosso namoro. –
Cecília respondera friamente, sem coragem de olhar no rosto do
rapaz.
Era
muito difícil para ela, e a moça sabia o tormento ao qual estava
jogando o rapaz, pois sempre notara o quanto ele a amava. Mas na
tradição antiga da família, nunca houvera nada que envergonhasse o
nome do avô, ou deixasse histórias ruins para serem contadas depois
no meio do povo... Ela passou momentos terríveis de acusação e
investigação. Foi uma pressão insuportável. Estava disposta a
sacrificar-se agora, porque percebera que jamais teriam paz e jamais
teriam o consentimento dos pais de agora em diante. Narciso
conseguira jogar a família contra o namoro e Cecília conhecia bem
seus pais. Era necessário ser firme agora, para que as coisas não
ficassem ainda piores depois.
Sabia
que seu tio desejava a união dela com Heitor, embora ela não se
interessasse pelo rapaz. Percebia que a visita do rapaz pouco antes
de Maurício chegar fora apenas uma desculpa: A família do moço
possuía terras boas de pasto e resolveram oferecê-las ao seu pai.
Mas a conversa poderia ser em qualquer dia da semana, e não
exatamente no Sábado, e justamente na hora que Maurício estava
chegando...
Cecília
deveria resolver tudo aquilo, e de uma vez por todas.
__Maurício – disse ela um pouco hesitante e sem esperanças – eu
preciso convencer meus pais de que está tudo bem, se quisermos
prosseguir esse namoro. Mas não quero piorar a situação
acrescentando tensão a esse clima que está no ar. Nem adianta você
querer nos defender, dizendo alguma coisa a eles, porque se há
alguém que pode provar nossa inocência, essa pessoa deve ser eu. No
momento eu preferia que você se afastasse um pouco, e que você me
desse um tempo. Estou confusa, e nesse tempo, vou resolver o que eu
faço da vida, e resolvo nossa situação com meus pais. Esteja
preparado para qualquer desfecho!
Maurício
nunca pensou em forçar alguma situação, e viu que aquelas palavras
da menina foram ditas depois de muita reflexão. Percebendo que
aquele casamento estava se desmoronando antes mesmo de acontecer,
quis apenas uma única certeza. Se a resposta fosse afirmativa, então
talvez ali estivesse sua última esperança:
__Mas
você me ama? – perguntou Maurício quase sem voz.
Cecília
ficou calada. Precisava ser firme com o moço e não acalentar
esperanças que talvez não se concretizassem.
Na
sua inexperiência de menina, achava que o tempo curaria todas as
coisas, se por acaso o namoro entre eles terminasse ali e não
viessem a se ver nunca mais. Se jamais voltassem a namorar, o tempo
curaria todas as feridas.
__Me ama, Cecília? Por favor, responda! – perguntou chorando o
rapaz.
__Sim
– respondeu finalmente Cecília – mas ainda que o ame, é preciso
esse tempo.
Maurício
sentiu um grande desânimo na voz da menina. Não quis esperar
Leandro retornar do pasto e levá-lo até a margem do lago.
Segurou
as mãos da moça e beijou-as ternamente. “Te amo, te amo!” lhe
disse, umedecendo-lhe as mãos com as lágrimas.
Não
houve mais nenhuma resposta da moça. Apenas um olhar e um sorriso
triste, muito triste.
Então
ele abriu a porta da sala, e se foi.
Há
três modos de descer ao Inferno; São métodos rápidos e sem pegar
nenhum atalho:
a)
O primeiro, é amaldiçoando os Céus, com todos os seus habitantes;
b)
O segundo, é não estendendo as mãos ao teu irmão necessitado,
quando ele mais precisou de você;
c)
O terceiro, é perdendo o amor da sua vida, é perdendo aquela pessoa
que habita teus sonhos, depois de tê-la ao menos uma vez em seus
braços.
Pelos
dois primeiros modos, você chega ao Inferno depois que morre. Mas
pelo terceiro, caro amigo, você já está no hall da entrada
enquanto ainda vive!
Há
quem diz que o Tempo cura todas as coisas. É uma grande mentira, e
só tem validade para quem jamais amou de verdade. Todas as coisas
podem ser esquecidas, todas as coisas podem deixar de ser desejáveis,
todas as coisas podem ser substituídas. Mas o Amor não. O Amor de
verdade, jamais.
Pode-se
jogar a “terra do tempo” sobre o buraco onde vai se atirar uma
ilusão destruída, uma esperança despedaçada, um sonho de amor não
realizado. Ali tudo adormece e permanece. Mas jamais o infeliz
prosseguirá adiante na vida como fazia antes, pois ao tentar jogar
tudo isso no buraco do esquecimento, ele enterra junto, no mesmo
buraco, todo o seu entusiasmo pela vida. E tudo mais que acontecer
dali em diante, sejam vitórias, sejam conquistas, tudo terá para
ele um sabor de nada. E nada o deixará plenamente satisfeito, nada
mais será completo. Sua vida se transformará numa simples vida
vazia.
Ao
abrir o coração para o amor, planta-se nesta terra dentro do peito
um broto de cactus que vai crescer. Ele tem vida própria e não
segue a lógica nem a racionalidade. Independente do que o apaixonado
pensa sobre o que é melhor para si, o coração escolherá sozinho
aquilo que ele acha que deve sentir.
Maurício
percebeu naquele momento que um dolorido espinho o acompanharia pelo
resto de sua vida.
Quando
tudo dá errado nos assuntos do Amor, às vezes a esperança também
morre...
Mas o Amor – assim como o cactus na terra árida – permanece. O
Amor não morre.
E a partir desse momento, o infeliz não vive mais;
Ele apenas sobrevive.