Capítulo 23: "Distanciamento"


Cecília jamais tivera coragem de procurar Maurício. Durante todo o tempo ela imaginou que agora ele certamente sabia do acontecido na festa. Cecília temia que o moço, ofendido, recusasse qualquer explicação e desprezando-a, dissesse-lhe palavras rudes que a magoassem ainda mais. Ela se julgava culpada por tudo aquilo que aconteceu.
Cecília imaginou que já tinha perdido o moço definitivamente, e que ele a rejeitaria se por acaso ela o procurasse, por isso jamais deu sinais de que desejava reatar o namoro, com medo de receber o desprezo do rapaz, pensando que ele – agora magoado – a desprezaria publicamente por vingança, envergonhando-a e obrigando-a carregar dentro de si pelo resto da vida mais essa dor. Então decidiu guardar, no silêncio do coração, a última imagem terna de Maurício, gravada na memória: Um olhar doce, de alguém apaixonado; e não um olhar de rancor, de alguém ofendido.

Havia pouco contato entre as pessoas que habitavam as duas margens do lago. E quando aconteceu tudo aquilo, estabeleceu-se um tabu entre as famílias envolvidas, que evitavam tocar no assunto para não atiçar as dores nem reabrir feridas. Até mesmo os poucos amigos em comum evitavam falar sobre o acontecido. O rapaz também não tinha coragem de perguntar sobre Cecília, pois temia ouvir a notícia, temia ouvir as respostas. Em seu coração machucado já ardia a pontada do ciúme.
Maurício desesperou-se. Sem nenhum sinal de que sua amada se arrependera daquele afastamento, o rapaz acabou perdendo todo entusiasmo pela vida, perdeu o interesse no trabalho, perdeu a vontade de viver. Seu coração recusava a ideia de procurar um outro amor. Era incapaz de trocar tudo o que sentira pela moça, por um novo amor. Prevendo que mais cedo ou mais tarde chegaria a notícia do casamento de Cecília, Maurício resolveu ir embora daquele lugar.
Primeiro, quando ainda era criança, teve vontade de se mudar para São Paulo. Sonhava ser alguém na vida, enriquecer e poder ajudar seus pais e irmãos. Depois, ao namorar Cecília, foi-se a vontade de ir embora para a cidade grande, e cresceu-lhe a vontade de continuar no campo, fazendo qualquer trabalho, desde que pudesse ficar ao lado de seu amor. Agora sem Cecília, perdera o moço todo o entusiasmo de viver e o ânimo: Não queria mais vencer na vida e não desejava ficar ali também, naquele lugar, onde tantas lembranças o atormentavam e onde o futuro casamento do seu amor com outra pessoa só aumentaria sua dor.
Uma nuvem negra de tristeza e desalento pairava sobre o coração do rapaz. Vendeu seu cavalo – o único bem que possuía – e pagou o restante que devia do par de alianças. Com o que lhe restou de dinheiro, comprou uma passagem de ônibus.
Era um Sábado. A passagem tinha sido comprada para aquele dia. Entre lágrimas de seus pais e irmãos, Maurício se despediu. Com apenas uma mala de roupas, entrou no ônibus, deixando para trás sua família e aquela cidade. “Acemira: significa aquela que faz doer” – pensou Maurício. “Nome bem apropriado ao lugar”. Não tivesse seu pai decidido mudar-se de São Paulo para Acemira, jamais teria conhecido Cecília, e não sentiria a dor que estava sentindo agora... O ônibus acabava de dobrar o espigão. De Acemira, via-se apenas a ponta da torre da Igreja. Apesar da estrada ruim e das condições péssimas do veículo, a viagem prosseguia rápida em direção a São Paulo. “Uma viagem para não voltar mais”, como dizia Alécio quando vieram de São Paulo.
O distanciamento entre os dois jovens ficou ainda maior quando Maurício resolveu se mudar: As cartas da família eram poucas e nas respostas nunca havia notícias de Cecília. E tudo isso contribuiu para que se abrisse um profundo abismo entre os dois, eliminando qualquer possibilidade futura de algum entendimento entre as partes.


Cecília se casou um ano depois, com Heitor. Nada mais havia de esperar. No campo as moças casam-se cedo.
Maurício se foi para sempre, pensava Cecília. Talvez nunca mais ouviria notícias do moço. E se um dia essas notícias chegassem, com certeza seriam notícias de que ele se recuperara do trauma, e que agora prosseguia sua vida, próspera e com outro alguém no seu lugar. Além disso, Heitor foi aprovado pela família e finalmente Narciso a deixaria em paz, por ser o moço o preferido do tio. E ainda a família exigia da moça uma decisão rápida e favorável ao casamento: Não queriam ver acontecer outra vez o que já tinha acontecido um dia com Maurício.
Casar-se com Heitor foi, enfim, a decisão óbvia, tomada pela moça.
A família escolheu que o casamento se daria na Capela da Fazenda. O novo Vigário foi chamado, pois o antigo já morrera e levou com ele ao túmulo aquela história mal contada sobre Cecília e Maurício, sem nunca ter sabido a verdade.
A Capela foi toda ornamentada, a Sede estava iluminada e no terreirão havia baile e churrasco.
Apesar da crise naquele tempo, que se abatera no País, as pessoas ainda lutavam para se manter no campo. O desenvolvimento da cidade grande também destruiu os poucos recursos das pequenas fazendas. Cinturões de lavouras aumentavam em torno das grandes metrópoles, tornando a concorrência injusta com aqueles que tinham suas plantações longe dos polos urbanos, que viam seus produtos encarecerem cada dia mais. Pequenos agricultores das regiões distantes reuniram-se em Cooperativas – como aquela que havia em Curuajubá, mas a cada ano a dificuldade aumentava. Houve ainda roubos na direção das Cooperativas, e muitos fazendeiros perderam seu pouco dinheiro investido lá.
Fazendeiros e agregados abandonavam suas casas, tentando a sorte na cidade. Apesar disso, apesar de todo esse abandono da terra, reuniu-se ainda um bom número de convidados no casamento de Cecília.
Mas até Narciso planejava mudar-se para a cidade grande. Sofrera também um duro golpe no roubo da Cooperativa. Resolveu que venderia seu pedaço de terra e abandonaria o lugar. Queria abrir um comércio pequeno em Curuajubá com o pouco de dinheiro que lhe sobrou, assim que vendesse a terra.
Narciso esperava apenas aquele casamento. Semana seguinte compraria uma casa na cidade.
A notícia, de alguma forma chegou à casa de Alécio. Adriana entristecera-se muito, por causa do irmão.
Felizmente Maurício não estava mais ali. Embora ele soubesse que cedo ou tarde Cecília se casaria com outro, Adriana, porém, jamais seria portadora da notícia para o irmão. E nas poucas cartas que existiram entre eles, jamais Adriana tocou no nome de Cecília, e jamais alguém da família mandou notícias desse casamento a Maurício.