Cecília jamais tivera coragem de procurar Maurício. Durante todo o tempo ela imaginou que agora ele certamente sabia do acontecido na festa. Cecília temia que o moço, ofendido, recusasse qualquer explicação e desprezando-a, dissesse-lhe palavras rudes que a magoassem ainda mais. Ela se julgava culpada por tudo aquilo que aconteceu.
Cecília imaginou que já
tinha perdido o moço definitivamente, e que ele a rejeitaria se por
acaso ela o procurasse, por isso jamais deu sinais de que desejava
reatar o namoro, com medo de receber o desprezo do rapaz, pensando
que ele – agora magoado – a desprezaria publicamente por
vingança, envergonhando-a e obrigando-a carregar dentro de si pelo
resto da vida mais essa dor. Então decidiu guardar, no silêncio do
coração, a última imagem terna de Maurício, gravada na memória:
Um olhar doce, de alguém apaixonado; e não um olhar de rancor, de
alguém ofendido.
Havia pouco contato
entre as pessoas que habitavam as duas margens do lago. E quando
aconteceu tudo aquilo, estabeleceu-se um tabu entre as famílias
envolvidas, que evitavam tocar no assunto para não atiçar as dores
nem reabrir feridas. Até mesmo os poucos amigos em comum evitavam
falar sobre o acontecido. O rapaz também não tinha coragem de
perguntar sobre Cecília, pois temia ouvir a notícia, temia ouvir as
respostas. Em seu coração machucado já ardia a pontada do ciúme.
Maurício desesperou-se.
Sem nenhum sinal de que sua amada se arrependera daquele afastamento,
o rapaz acabou perdendo todo entusiasmo pela vida, perdeu o interesse
no trabalho, perdeu a vontade de viver. Seu coração recusava a
ideia de procurar um outro amor. Era incapaz de trocar tudo o que
sentira pela moça, por um novo amor. Prevendo que mais cedo ou mais
tarde chegaria a notícia do casamento de Cecília, Maurício
resolveu ir embora daquele lugar.
Primeiro, quando ainda
era criança, teve vontade de se mudar para São Paulo. Sonhava ser
alguém na vida, enriquecer e poder ajudar seus pais e irmãos.
Depois, ao namorar Cecília, foi-se a vontade de ir embora para a
cidade grande, e cresceu-lhe a vontade de continuar no campo, fazendo
qualquer trabalho, desde que pudesse ficar ao lado de seu amor. Agora
sem Cecília, perdera o moço todo o entusiasmo de viver e o ânimo:
Não queria mais vencer na vida e não desejava ficar ali também,
naquele lugar, onde tantas lembranças o atormentavam e onde o futuro
casamento do seu amor com outra pessoa só aumentaria sua dor.
Uma nuvem negra de
tristeza e desalento pairava sobre o coração do rapaz. Vendeu seu
cavalo – o único bem que possuía – e pagou o restante que devia
do par de alianças. Com o que lhe restou de dinheiro, comprou uma
passagem de ônibus.
Era um Sábado. A
passagem tinha sido comprada para aquele dia. Entre lágrimas de seus
pais e irmãos, Maurício se despediu. Com apenas uma mala de roupas,
entrou no ônibus, deixando para trás sua família e aquela cidade.
“Acemira: significa aquela que faz doer” – pensou Maurício.
“Nome bem apropriado ao lugar”. Não tivesse seu pai decidido
mudar-se de São Paulo para Acemira, jamais teria conhecido Cecília,
e não sentiria a dor que estava sentindo agora... O ônibus acabava
de dobrar o espigão. De Acemira, via-se apenas a ponta da torre da
Igreja. Apesar da estrada ruim e das condições péssimas do
veículo, a viagem prosseguia rápida em direção a São Paulo. “Uma
viagem para não voltar mais”, como dizia Alécio quando vieram de
São Paulo.
O distanciamento entre
os dois jovens ficou ainda maior quando Maurício resolveu se mudar:
As cartas da família eram poucas e nas respostas nunca havia
notícias de Cecília. E tudo isso contribuiu para que se abrisse um
profundo abismo entre os dois, eliminando qualquer possibilidade
futura de algum entendimento entre as partes.
Cecília se casou um ano
depois, com Heitor. Nada mais havia de esperar. No campo as moças
casam-se cedo.
Maurício se foi para
sempre, pensava Cecília. Talvez nunca mais ouviria notícias do
moço. E se um dia essas notícias chegassem, com certeza seriam
notícias de que ele se recuperara do trauma, e que agora prosseguia
sua vida, próspera e com outro alguém no seu lugar. Além disso,
Heitor foi aprovado pela família e finalmente Narciso a deixaria em
paz, por ser o moço o preferido do tio. E ainda a família exigia da
moça uma decisão rápida e favorável ao casamento: Não queriam
ver acontecer outra vez o que já tinha acontecido um dia com
Maurício.
Casar-se com Heitor foi,
enfim, a decisão óbvia, tomada pela moça.
A família escolheu que
o casamento se daria na Capela da Fazenda. O novo Vigário foi
chamado, pois o antigo já morrera e levou com ele ao túmulo aquela
história mal contada sobre Cecília e Maurício, sem nunca ter
sabido a verdade.
A Capela foi toda
ornamentada, a Sede estava iluminada e no terreirão havia baile e
churrasco.
Apesar da crise naquele
tempo, que se abatera no País, as pessoas ainda lutavam para se
manter no campo. O desenvolvimento da cidade grande também destruiu
os poucos recursos das pequenas fazendas. Cinturões de lavouras
aumentavam em torno das grandes metrópoles, tornando a concorrência
injusta com aqueles que tinham suas plantações longe dos polos
urbanos, que viam seus produtos encarecerem cada dia mais. Pequenos
agricultores das regiões distantes reuniram-se em Cooperativas –
como aquela que havia em Curuajubá, mas a cada ano a dificuldade
aumentava. Houve ainda roubos na direção das Cooperativas, e muitos
fazendeiros perderam seu pouco dinheiro investido lá.
Fazendeiros e agregados
abandonavam suas casas, tentando a sorte na cidade. Apesar disso,
apesar de todo esse abandono da terra, reuniu-se ainda um bom número
de convidados no casamento de Cecília.
Mas até Narciso
planejava mudar-se para a cidade grande. Sofrera também um duro
golpe no roubo da Cooperativa. Resolveu que venderia seu pedaço de
terra e abandonaria o lugar. Queria abrir um comércio pequeno em
Curuajubá com o pouco de dinheiro que lhe sobrou, assim que vendesse
a terra.
Narciso esperava apenas aquele casamento. Semana seguinte compraria
uma casa na cidade.
A
notícia, de alguma forma chegou à casa de Alécio. Adriana
entristecera-se muito, por causa do irmão.
Felizmente
Maurício não estava mais ali. Embora ele soubesse que cedo ou tarde
Cecília se casaria com outro, Adriana, porém, jamais seria
portadora da notícia para o irmão. E nas poucas cartas que
existiram entre eles, jamais Adriana tocou no nome de Cecília, e
jamais alguém da família mandou notícias desse casamento a
Maurício.